A EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A SÍNDROME DE DOWN:
INCLUIR AONDE?
Encerrei
o meu primeiro artigo na edição passada
defendendo a ideia de que para sermos realmente inclusivos temos que romper com
o dualismo igual X diferente. Dessa vez, o convite que me fizeram foi para
escrever sobre o universo da Síndrome de
Down e a chamada Educação Inclusiva. Sempre quando alguém coloca essa questão,
as primeiras perguntas que me vem mente são as seguintes: de que escola estamos
falando? Qual é o formato de escola que estamos tentando incluir? Qual é
realidade de nossa escola hoje?
Sinto
a necessidade então de voltar um
pouco no tempo. Segundo o ainda atual pedagogo brasileiro, Paulo Freire, falar
sobre o passado é importante para
podermos refletir no aqui e agora reiterando sempre que podemos mudar os rumos de
um futuro próximo. Com raras e instigantes exceções, a escola, do jeito que ela
ainda existe hoje, foi criada entre os séculos XVIII e XIX.
Não
querendo me estender muito sobre esse tema, vem logo uma outra indagação : porque
esse sistema de ensino foi criado? A resposta não é simples, mas o objetivo foi
o de produzir pessoas em série para se tornarem produtoras e consumidoras no
sistema que estava emergindo na época: o capitalismo. Daí, caro leitor, as pessoas catalogadas como incapazes e improdutivas
foram alijadas dessa escola que tinha como intenção, nos revelou o filósofo
Michel Foucault, criar “corpos dóceis e úteis”. No início, não havia opção nenhuma para elas. Só depois, nasceu a chamada
Escola Especial.
Pensemos
um pouco no Brasil, sobretudo na escola pública. Históricamente falando, até a década de 60, já estamos no século XX,
a grande maioria das pessoas vivia no campo. Entre esse período e a década de 80, houve uma surpreendente inversão
desse número com o intitulado êxodo
rural, ou seja, as grandes cidades passaram a ser a moradia, a maioria precária, da maioir parte da população.
Mas
o que esse fenômeno tem a ver com nosso tema? Antes da forte imigração, quem
estudava na escola pública era uma elite que passava as férias na Europa. Da década
de 80 em diante, a escola pública foi tendo que crescer para receber as pessoas
que estavam chegando até que, nos anos 90, começou-se o discurso de que o ensino
deveria ser para todos.
Pois
bem, não muito tempo depois (lá pelo meio dos anos 90), veio o debate sobre a inclusão
da Pessoa com Deficiência nessa mesma rede de ensino. Na prática então foram duas inclusões simultâneas:
a dos moradores do campo e a das também chamadas hoje como pessoas com
necessidades educacionais especiais. Enquanto isso, pensemos juntos leitor, a
escola continuava (e continua) a tentar ensinar do mesmo jeito que fazia para a
elite dos anos 60, desconsiderando por completo o novo público que estava
batendo em sua porta.
Na maioria das vezes, o formato da sala de aula continua o mesmo.
Alunos enfileirados, cada um olhando a nuca do outro, se resumindo a ouvir e
anotar todo um conteúdo imposto de cima de baixo, sem levar em consideração
a história de vida, a realidade social e econômica e as particularidades de
seus educandos. A própria palavra aluno, que significa “sem luz”, sequer foi
discutida.
Uma
nova pergunta vem necessariamente à tona: como universalizar o ensino em uma escola que não
foi criada para todos? O resultado parece estar claro para todos: a exclusão de
todos aqueles que, seja por qual motivo for, não conseguem acompanhar o ritmo frenético
das informações transmitidas pelo professor, em que a quantidade continua a ser
mais importante do que a qualidade. É o que o Paulo Freire chamou de Educação
Bancária.
O
especialista em alfabetização e mentor na Escola da Ponte em Portugal, José
Pacheco, não se cansa de falar: provas como a do ENEM servem apenas para medir
a memória a curto prazo dos alunos e não o que eles realmente aprenderam, o
que ficou de verdadeiramente significado.
A
própria comunidade científica vem debatendo insistentemente essa questão da memória,
ou da ausência dela, para, por exemplo, as pessoas com a Síndrome de Down. Mas de que memória estamos falando? Quantas
vez me deparei, ao transitar por determinado lugar já conhecido, a seguinte indagação
de meu filho: “pai, você se lembra daqui?”. E a minha memória a longo prazo,
naquele exato instante, costuma sempre falhar. “Não me lembro filho”. Daí, para
surpresa de todos, Thiago trata logo de contar com detalhes até minha memória ser acionada. “É mesmo filho.
Agora me lembro”.
Prezado
leitor, espero que você tenha acompanhado meu raciocínio. O que está em jogo
aqui são duas concepções de inclusão. Aquela que eu gosto de chamar de
adequativa, pressupondo que o equivocadamente chamado “aluno de inclusão” tem
que se adaptar a um modelo de ensino visto como pronto e acabado. Nesse caso, podemos evocar a letra do músico
Nando Reis, cantada magistralmente por ele e pelo Arnaldo Antunes: “Eu não caibo
mais nas roupas que eu cabia, (...). Eu não vou me adaptar, me adapar”.
A
outra concepção de inclusão, portanto, é a que a intitulada aula não seja mais tecnicista,
conteudista e muito menos exaustivamente expositiva, sem a participação efetiva
do aluno na construção de seu próprio processo de aprendizagem. As chamadas
disciplinas, que deveriam ser na verdade áreas do conhecimento, não podem mais
ser expostas mecanicamente, sem a preocupação com significado delas para a realidade
do aluno.
Com
isso, cada educando, com sua especificidade e condição, vai traçando seu roteiro de estudo específico,
levando em conta interesses, desejos, necessidades e mesmo dificuldades. E
isso, caro leitor, vale para todos, incluindo os que têm Síndrome de Down ou
outra das rotuladas como deficiências. O
que seria então uma legitima inclusão
para aqueles que não conseguem acompanhar a denominada escola tradicional?
Mais
uma vez, são inúmeras as concepções. Convido a todos para continuarem comigo na
próxima edição quando trarei algumas ideias de mudança de estrutura da escola
que podem contribuir para maximizar ao extremo o aprendizado das, por exemplo,
pessoas com a Síndrome de Down, valendo sempre enfatizar: não existe pessoas
com essa síndrome iguais e também inexiste receitas de bolo explicitamente para
todas elas. Dito isso, podemos sim criar estratégias de ensino que vão nos ajudar
a pensar e a ampliar ao máximo a aprendizagem dos que apenas nasceram com o
Cromossomo 21 a mais e nada mais. Vamos juntos?
Texto Guga Dorea.
Revista Pé da Serra
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