segunda-feira, 14 de dezembro de 2015


A EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A SÍNDROME DE DOWN:
INCLUIR AONDE?

Encerrei o meu primeiro artigo na edição passada defendendo a ideia de que para sermos realmente inclusivos temos que romper com o dualismo igual X diferente. Dessa vez, o convite que me fizeram foi para escrever sobre o universo da  Síndrome de Down e a chamada Educação Inclusiva. Sempre quando alguém coloca essa questão, as primeiras perguntas que me vem mente são as seguintes: de que escola estamos falando? Qual é o formato de escola que estamos tentando incluir? Qual é realidade de nossa escola hoje?
Sinto a necessidade então de voltar um pouco no tempo. Segundo o ainda atual pedagogo brasileiro, Paulo Freire, falar sobre o passado é importante para podermos refletir no aqui e agora reiterando sempre que podemos mudar os rumos de um futuro próximo. Com raras e instigantes exceções, a escola, do jeito que ela ainda existe hoje, foi criada entre os séculos XVIII e XIX.  
Não querendo me estender muito sobre esse tema, vem logo uma outra indagação : porque esse sistema de ensino foi criado? A resposta não é simples, mas o objetivo foi o de produzir pessoas em série para se tornarem produtoras e consumidoras no sistema que estava emergindo na época: o capitalismo. Daí, caro leitor, as pessoas catalogadas como incapazes e improdutivas foram alijadas dessa escola que tinha como intenção, nos revelou o filósofo Michel Foucault, criar “corpos dóceis e úteis”. No início, não havia opção nenhuma para elas. Só depois, nasceu a chamada Escola Especial.
Pensemos um pouco no Brasil, sobretudo na escola pública. Históricamente falando, até a década de 60, já estamos no século XX, a grande maioria das pessoas vivia no campo. Entre esse período e a década de 80, houve uma surpreendente inversão desse número com o intitulado êxodo rural, ou seja, as grandes cidades passaram a ser a moradia, a maioria precária, da maioir parte da população.
Mas o que esse fenômeno tem a ver com nosso tema? Antes da forte imigração, quem estudava na escola pública era uma elite que passava as férias na Europa. Da década de 80 em diante, a escola pública foi tendo que crescer para receber as pessoas que estavam chegando até que, nos anos 90, começou-se o discurso de que o ensino deveria ser para todos.
Pois bem, não muito tempo depois (lá pelo meio dos anos 90), veio o debate sobre a inclusão da Pessoa com Deficiência nessa mesma rede de ensino. Na prática então foram duas inclusões simultâneas: a dos moradores do campo e a das também chamadas hoje como pessoas com necessidades educacionais especiais. Enquanto isso, pensemos juntos leitor, a escola continuava (e continua) a tentar ensinar do mesmo jeito que fazia para a elite dos anos 60, desconsiderando por completo o novo público que estava batendo em sua porta.
Na maioria das vezes, o formato da sala de aula continua o mesmo. Alunos enfileirados, cada um olhando a nuca do outro, se resumindo a ouvir e anotar todo um conteúdo imposto de cima de baixo, sem levar em consideração a história de vida, a realidade social e econômica e as particularidades de seus educandos. A própria palavra aluno, que significa “sem luz”, sequer foi discutida.
Uma nova pergunta vem necessariamente à tona: como universalizar o ensino em uma escola que não foi criada para todos? O resultado parece estar claro para todos: a exclusão de todos aqueles que, seja por qual motivo for, não conseguem acompanhar o ritmo frenético das informações transmitidas pelo professor, em que a quantidade continua a ser mais importante do que a qualidade. É o que o Paulo Freire chamou de Educação Bancária.
O especialista em alfabetização e mentor na Escola da Ponte em Portugal, José Pacheco, não se cansa de falar: provas como a do ENEM servem apenas para medir a memória a curto prazo dos alunos e não o que eles realmente aprenderam, o que ficou de verdadeiramente significado.
A própria comunidade científica vem debatendo insistentemente essa questão da memória, ou da ausência dela, para, por exemplo, as pessoas com a Síndrome de Down.  Mas de que memória estamos falando? Quantas vez me deparei, ao transitar por determinado lugar já conhecido, a seguinte indagação de meu filho: “pai, você se lembra daqui?”. E a minha memória a longo prazo, naquele exato instante, costuma sempre falhar. “Não me lembro filho”. Daí, para surpresa de todos, Thiago trata logo de contar com detalhes até minha memória ser acionada. “É mesmo filho. Agora me lembro”.
Prezado leitor, espero que você tenha acompanhado meu raciocínio. O que está em jogo aqui são duas concepções de inclusão. Aquela que eu gosto de chamar de adequativa, pressupondo que o equivocadamente chamado “aluno de inclusão” tem que se adaptar a um modelo de ensino visto como pronto e acabado.  Nesse caso, podemos evocar a letra do músico Nando Reis, cantada magistralmente por ele e pelo Arnaldo Antunes: “Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia, (...). Eu não vou me adaptar, me adapar”.
A outra concepção de inclusão, portanto, é a que a intitulada aula não seja mais tecnicista, conteudista e muito menos exaustivamente expositiva, sem a participação efetiva do aluno na construção de seu próprio processo de aprendizagem. As chamadas disciplinas, que deveriam ser na verdade áreas do conhecimento, não podem mais ser expostas mecanicamente, sem a preocupação com significado delas para a realidade do aluno.
Com isso, cada educando, com sua especificidade e condição, vai traçando seu roteiro de estudo específico, levando em conta interesses, desejos, necessidades e mesmo dificuldades. E isso, caro leitor, vale para todos, incluindo os que têm Síndrome de Down ou outra das rotuladas como deficiências. O que seria então uma legitima inclusão para aqueles que não conseguem acompanhar a denominada escola tradicional?

Mais uma vez, são inúmeras as concepções. Convido a todos para continuarem comigo na próxima edição quando trarei algumas ideias de mudança de estrutura da escola que podem contribuir para maximizar ao extremo o aprendizado das, por exemplo, pessoas com a Síndrome de Down, valendo sempre enfatizar: não existe pessoas com essa síndrome iguais e também inexiste receitas de bolo explicitamente para todas elas. Dito isso, podemos sim criar estratégias de ensino que vão nos ajudar a pensar e a ampliar ao máximo a aprendizagem dos que apenas nasceram com o Cromossomo 21 a mais e nada mais. Vamos juntos?


Texto Guga Dorea.
Revista Pé da Serra